O romance Navalhas pendentes, de Paulo Rosenbaum, é, sobretudo, uma armadilha que, entre citações, ironias e referências intertextuais, arma e desarma a leitura. A trama põe em perspectiva a sanidade do narrador e a linearidade da história. Complô, ilusão e farsa fazem do enredo um labirinto e fazem multiplicar realidades instáveis ou fantasias existenciais de um protagonista que, aparentemente, não merece muita credibilidade. Desde o início, o leitor sabe que está pisando em solo movediço, afinal, amnésia é uma das palavras-chave que, intermitentes, funcionam como faróis precários no nevoeiro. O narrador, Homero Arp Montefiore, tal qual o seu homônimo grego, faz precipitar as certezas por um vórtice e, se Goya tinha razão e o sono/sonho da razão produz monstros, tanto um quanto o outro assombram o personagem com lâminas que se inscrevem na narrativa, como signos denunciadores. Sobre o herói e os crimes imputados ou cometidos por ele, pesam navalhas, facas, canivetes e outros fios mais sutis. Daí serem sempre pendentes tanto as ameaças e quanto as certezas. Nesse sentido, quando o personagem, revisor de textos e aprendiz de escritor, se corta com o gume de uma folha de papel, aguçam as lembranças do leitor estudos em vermelho, fisiologias da composição, punições para a inocência e mortes ao pé da letra. Uma gota de sangue sobre o papel não é rastro fácil de seguir. O narrador parece viver em um pesadelo, como nos enredos de Kafka, engendrado por um escritor que cria labirintos com inúmeras entradas e algumas saídas, todas inacessíveis. O leitor, como uma espécie de detetive que segue indícios, pistas e enigmas, por sua vez, se enovela numa história de crimes, facas e segredos.
Lyslei Nascimento
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